sábado, 17 de setembro de 2016

Uso de agrotóxicos no Brasil


Imagine tomar um galão de cinco litros de veneno a cada ano. É o que os brasileiros consomem de agrotóxico anualmente, segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA). "Os dados sobre o consumo dessas substâncias no Brasil são alarmantes", disse Karen Friedrich, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Desde 2008, o Brasil ocupa o primeiro lugar no ranking mundial de consumo de agrotóxicos. Enquanto nos últimos dez anos o mercado mundial desse setor cresceu 93%, no Brasil, esse crescimento foi de 190%, de acordo com dados divulgados pela Anvisa. Segundo o Dossiê Abrasco - um alerta sobre o impacto dos agrotóxicos na saúde, publicado nesta terça-feira no Rio de Janeiro, 70% dos alimentos in natura consumidos no país estão contaminados por agrotóxicos. Desses, segundo a Anvisa, 28% contêm substâncias não autorizadas. "Isso sem contar os alimentos processados, que são feitos a partir de grãos geneticamente modificados e cheios dessas substâncias químicas", diz Friederich. De acordo com ela, mais da metade dos agrotóxicos usados no Brasil hoje são banidos em países da União Europeia e nos Estados Unidos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), entre os países em desenvolvimento, os agrotóxicos causam, anualmente, 70.000 intoxicações agudas e crônicas.



O uso dessas substâncias está altamente associado à incidência de doenças como o câncer e outras genéticas. Por causa da gravidade do problema, na semana passada, o Ministério Público Federal enviou um documento à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recomendando que seja concluída com urgência a reavaliação toxicológica de uma substância chamada glifosato e que a agência determine o banimento desse herbicida no mercado nacional. Essa mesma substância acaba de ser associada ao surgimento de câncer, segundo um estudo publicado em março deste ano pela Organização Mundial da Saúde (OMS) juntamente com o Inca e a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC). Ao mesmo tempo, o glifosato foi o ingrediente mais vendido em 2013 segundo os dados mais recentes do Ibama.

Em resposta ao pedido do Ministério Público, a Anvisa diz que em 2008 já havia determinado a reavaliação do uso do glifosato e outras substâncias, impulsionada pelas pesquisas que as associam à incidência de doenças na população. Em nota, a Agência diz que naquele ano firmou um contrato com a Fiocruz para elaborar as notas técnicas para cada um dos ingredientes - 14, no total. A partir dessas notas, foi estabelecida uma ordem de análise dos ingredientes "de acordo com os indícios de toxicidade apontados pela Fiocruz e conforme a capacidade técnica da Agência".

Enquanto isso, essas substâncias são vendidas e usadas livremente no Brasil. O 24D, por exemplo, é um dos ingredientes do chamado 'agente laranja', que foi pulverizado pelos Estados Unidos durante a Guerra do Vietnã, e que deixou sequelas em uma geração de crianças que, ainda hoje, nascem deformadas, sem braços e pernas. Essa substância tem seu uso permitido no Brasil e está sendo reavaliada pela Anvisa desde 2006. Ou seja, faz quase dez anos que ela está em análise inconclusa.


O que a Justiça pede é que os ingredientes que estejam sendo revistos tenham o seu uso e comércio suspensos até que os estudos sejam concluídos. Mas, embora comprovadamente perigosos, existe uma barreira forte que protege a suspensão do uso dessas substâncias no Brasil. "O apelo econômico no Brasil é muito grande", diz Friedrich. "Há uma pressão muito forte da bancada ruralista e da indústria do agrotóxico também". Fontes no Ministério Público disseram ao EL PAÍS que, ainda que a Justiça determine a suspensão desses ingredientes, eles só saem de circulação depois que os fabricantes esgotam os estoques.

O consumo de alimentos orgânicos, que não levam nenhum tipo de agrotóxico em seu cultivo, é uma alternativa para se proteger dos agrotóxicos. Porém, ela ainda é pouco acessível à maioria da população. Em média 30% mais caros, esses alimentos não estão disponíveis em todos os lugares. O produtor Rodrigo Valdetaro Bittencourt explica que o maior obstáculo para o cultivo desses alimentos livres de agrotóxicos é encontrar mão de obra. "Não é preciso nenhum maquinário ou acessórios caros, mas é preciso ter gente para mexer na terra", diz. Ele cultiva verduras e legumes em seu sítio em Juquitiba, na Grande São Paulo, com o irmão e a mãe. Segundo ele, vale a pena gastar um pouco mais para comprar esses alimentos, principalmente pelos ganhos em saúde. "O que você gasta a mais com os orgânicos, você vai economizar na farmácia em remédios", diz. Para ele, porém, a popularização desses alimentos e a acessibilidade ainda levarão uns 20 anos de briga para se equiparar aos produtos produzidos hoje com agrotóxico. 

Bittencourt vende seus alimentos ao lado de outras três barracas no Largo da Batata, zona oeste da cidade, às quartas-feiras. Para participar desse tipo de feira, é preciso se inscrever junto à Prefeitura e apresentar todas as documentações necessárias que comprovem a origem do produto. Segundo Bittencourt, há uma fiscalização, que esporadicamente aparece nas feiras para se certificar que os produtos de fato são orgânicos.


No mês passado, o prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) sancionou uma lei que obriga o uso de produtos orgânicos ou de base agroecológica nas merendas das escolas municipais. A nova norma, porém, não tem prazo para ser implementada e nem determina o percentual que esses alimentos devem obedecer.

Segundo um levantamento da Anvisa, o pimentão é a hortaliça mais contaminada por agrotóxicos (segundo a Agência, 92% pimentões estudados estavam contaminados), seguido do morango (63%), pepino (57%), alface (54%), cenoura (49%), abacaxi (32%), beterraba (32%) e mamão (30%). Há diversos estudos que apontam que alguma substâncias estão presentes, inclusive, no leite materno.


No ano passado, a pesquisadora norte-americana Stephanie Seneff, do MIT, apresentou um estudo anunciando mais um dado alarmante: "Até 2025, uma a cada duas crianças nascerá autista", disse ela, que fez uma correlação entre o Roundup, o herbicida da Monsanto feito a base do glifosato, e o estímulo do surgimento de casos de autismo. O glifosato, além de ser usado como herbicida no Brasil, também é uma das substâncias oficialmente usadas pelo governo norte-americano no Plano Colômbia, que há 15 anos destina-se a combater as plantações de coca e maconha na Colômbia.

Em nota, a Anvisa afirmou que aguarda a publicação oficial do estudo realizado pela OMS, Inca e IARC para "determinar a ordem prioritária de análise dos agrotóxicos que demandarem a reavaliação".

Os alimentos mais contaminados pelos agrotóxicos

Em 2010, o mercado brasileiro de agrotóxicos movimentou 7,3 bilhões de dólares e representou 19% do mercado global. Soja, milho, algodão e cana-de-açúcar representam 80% do total de vendas nesse setor.
Segundo a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), essa é a lista da agricultura que mais consome agrotóxicos:
Soja (40%)
Milho (15%)
Cana-de-açúcar e algodão (10% cada)
Cítricos (7%)
Café, trigo e arroz (3 cada%)
Feijão (2%)
Batata (1%)
Tomate (1%)
Maçã (0,5%)
Banana (0,2%)
As demais culturas consumiram 3,3% do total de 852,8 milhões de litros de agrotóxicos pulverizados nas lavouras brasileiras em 2011.


domingo, 11 de setembro de 2016

Desertos Africanos: Saara, Kalahari e Namib



Por: Hermann Cavalcante Wherner 

“A África divide-se em quatro partes… Em árabe, a terceira parte chama-se simplesmente Sahra, que significa deserto” (Leo Africanus, 1550)
O Grande Saara se distribui sobre cerca de 10 milhões de quilômetros quadrados – área maior que o Brasil. Estendendo-se desde o litoral atlântico da África até o Mar Vermelho, a leste, por 4.800 quilômetros numa faixa de 1.600 quilômetros de largura.
A maior parte do Saara tem menos de 125 milímetros de chuva por ano, em decorrência principalmente de sua localização nas latitudes subtropicais de alta pressão, entre 15 e 35 graus ao norte do equador, onde os ventos típicos e a enorme distância dos oceanos deixam a atmosfera quase sem umidade.
A temperatura diurna do verão Saarico atinge e as vezes supera os 50 ºC. Porém, na superfície da areia e das rochas fica ainda mais quente, e já se registraram temperaturas de mais de 80 ºC na areia.
Durante o inverno, nas montanhas ao norte do deserto são comuns geadas, entretanto o ressecamento causado pela combinação de calor e vento constante contribuem para evaporar grande parte da água que efetivamente caiu no deserto.
O Saara nem sempre foi a desolação ressecada que é hoje, e sabe-se que durante os últimos 2 milhões de anos, ele já variou algumas vezes entre uma aridez maior e um relativo verdor.
Um gigante desértico onde rios, dunas, lagos, regs, oásis, diversos animais e vegetação diversificada são parte das diferentes faces da transformadora história climática e ecológica desta região.
“No deserto nem os chacais sobrevivem; existem apenas o addax e o feneco, que Deus criou para lembrar-nos da moléstia de nossas capacidades.” (Sidat Ag Sheik, chefe tuaregue)
O deserto de Kalahari possui uma área de 600.000 quilômetros quadrados, ocupando parte da Botswana, África do Sul e Namíbia, assumindo o posto de segundo maior deserto africano.
Ele não é tão estéril quando o Saara e algumas de suas regiões recebem mais de 250 milímetros de chuva mal distribuída anualmente. Estas chuvas predominantemente estivais produzem no solo uma cobertura gramínea esparsa, pontilhada por árvores mais o norte e com arbustos nas regiões mais áridas ao sul.
As temperaturas no verão do Kalahari variam entre 20 a 40 °C, mas algumas de suas regiões podem alcançar 50 °C. E no inverno, seu clima seco e frio é propicio a geada durante noite, e em alguns pontos as temperaturas podem ficar abaixo de 0 °C.
Estendendo-se numa estreita faixa de terra com cerca de 90 quilômetros de largura na costa sudoeste da África, ao longo do litoral atlântico da Namíbia ao sul de Angola, esta o deserto de Namib.
Considerado como o mais antigo deserto do mundo, tendo permanecido em condições áridas ou semiáridas há pelo menos 55 milhões de anos. Por ele flui uma corrente de ar proveniente de águas antárticas que fluem em direção ao norte, resfriando os ventos e tornando este ressequido deserto num ambiente frio e nevoento durante uma média de 200 dias por ano.
Apesar de sua atmosfera úmida e fria, menos de um centímetro de chuva cai anualmente sobre este deserto, tornando-o um bioma extremamente seco no qual praticamente não se sustenta nenhuma vegetação perene. E esta ausência quase total de proteção vegetal força sua fauna a adaptar-se à vida quase que exclusivamente sobre a areia, uma vez que não há raízes que ajudem na fixação do solo.


quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Saída do Reino Unido da União Européia


Os britânicos decidiram em referendo, por mais de 1,2 milhão de votos de diferença, deixar a União Europeia (UE). O resultado da consulta, divulgado na madrugada desta sexta-feira (24), empurra para uma profunda crise o bloco econômico e político criado após a Segunda Guerra Mundial.

De imediato, o mercado reagiu: a libra esterlina, moeda do Reino Unido, despencou e atingiu o menor valor frente ao dólar em 31 anos. As bolsas da Ásia fecharam em forte queda. O primeiro-ministro britânico, David Cameron, que defendia a permanência no bloco, anunciou que deixará o cargo em outubro.


Quais são os próximos passos?
O processo para encerrar 40 anos de união não é automático e se anuncia um divórcio difícil, porque tem de ser negociado com os outros 27 membros do bloco. É a primeira vez que isso acontece.

Segundo a "Deutsche Welle", a Câmara Baixa do Parlamento britânico, onde a maioria é contra a Brexit, deve pedir ao premiê para apresentar a Bruxelas a carta anunciando a saída do bloco.

A direita britânica, porém, não demostra pressa em agilizar esse processo. Embora os presidentes Comissão Europeia, do Conselho Europeu e Parlamento Europeu tenham pedido para que o Reino Unido inicie o processo de saída "o mais rápido possível".

Durante a campanha, o premiê David Cameron, que deve deixar o cargo em outubro, explicou que o Reino Unido deve ativar a Cláusula 50 do Tratado de Lisboa, que desde 2009 funciona como uma espécie de Constituição Europeia, explicou a BBC. Uma vez que esse artigo é acionado não dá para voltar atrás.


 Como será a batalha no parlamento britânico?
Segundo a BBC, a maioria dos 650 deputados federais britânicos é favorável à permanência do Reino Unido na UE. Ao menos 450 deles, de diversos partidos, articulam o lobby na tentativa de garantir a permanência britânica no mercado europeu – proposta polêmica e que deve enfrentar forte resistência dos outros países do bloco.

A manutenção desse elo, por outro lado, forçaria o Reino Unido a manter suas fronteiras com a UE abertas para trabalhadores europeus e continuar contribuindo para o orçamento do bloco – o que desagrada os partidários da Brexit.

 Como serão as negociações com os outros países europeus?
A negociação com os outros países no Parlamento Europeu, que não tem data para começar, tem prazo máximo de dois anos, ainda segundo a BBC. Os outros países membros ainda precisam ratificar a saída para que seja formalizada.

Vale destacar que o Parlamento Europeu tem poder de veto sobre qualquer acordo que estabeleça as novas modalidades de relacionamento entre o Reino Unido e a União Europeia.
A negociação é muito complexa, já que exige rescisão de tratados internacionais. Só com a União Europeia, há pelo menos 80 mil páginas de acordos. Por isso, após a negociação, é provável que exista uma fase de transição. 

 Qual será o impacto para os imigrantes que moram no Reino Unido?  
O impacto na legislação interna britânica também será grande. Para começar, o Parlamento precisa derrubar os atos que dão primazia à lei europeia sobre a britânica.

Isso implica, entre outras decisões, estabelecer uma nova política migratória, uma das principais reinvindicações dos partidários da Brexit, que exigiam medidas mais restritivas.
Quem atualmente se beneficia das regras de livre circulação no bloco passará a se submeter às regras estabelecidas pela legislação nacional britânica, segundo a BBC.
Para quem já está no Reino Unido com visto gerido por essa legislação – com visto de trabalho, estudo ou cônjuges de britânicos – pouco deve mudar.

No ano passado, entraram no país 330 mil imigrantes, metade deles da União Europeia, que se favoreciam da livre circulação prevista pelo bloco. Cameron prometeu reduzir esse número para menos de 100 mil por ano e tem estado sob forte pressão por não conseguir cumprir essa promessa.

Durante a campanha, os proponentes da saída propuseram um sistema inspirado no modelo australiano. Nesse sistema, os imigrantes são aceitos em vagas disponíveis nas diferentes categorias de cotas, segundo a BBC.

Atualmente, o Reino Unido já possui um sistema baseado em categorias, que rege a entrada de estudantes, visitantes, trabalhadores qualificados e com pouca qualificação. Porém, nem todas as categorias são preenchidas, porque o livre fluxo de cidadãos da UE naturalmente atende à demanda por imigrantes.

Setores que empregam mão de obra pouco qualificada, como construção civil, agricultura e limpeza, por exemplo, são tipicamente abastecidos com trabalhadores do Leste Europeu.


 Imigrantes serão expulsos do Reino Unido?
Analistas e políticos ouvidos pela BBC dizem que a mudança será gradual e que ninguém terá de deixar o país da noite para o dia.

Atualmente, cerca de 3 milhões de cidadãos europeus vivem no Reino Unido, vindos principalmente da Polônia (850 mil), da República da Irlanda (330 mil) e de diversos países do antigo bloco soviético. Esses podem pedir a residência permanente no Reino Unido quando completarem cinco anos vivendo no país. Com a Brexit, o Certificado de Residência Permanente para Cidadão da UE, no entanto, deve deixar de valer.

A autorização para viver no Reino Unido indefinidamente (Indefinite Leave to Remain), que é regida pela legislação nacional, não deve ser modificada.

Nos dois casos, a cidadania só é obtida um ano depois do migrante mostrar o domínio da língua e ter conhecimento básico do funcionamento da sociedade britânica.

 Qual é o impacto nos países do Reino Unido?
A disputa apertada e as disparidades entre os países que compõe o Reino Unido (Inglaterra,Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales) vão deixar sequelas.

O placar final do referendo foi 17.410.742 votos a favor da saída e 16.141.242 votos pela permanência – uma diferença de apenas 1,2 milhão de votos. A Escócia (66%) e Irlanda do Norte (56%), que votaram majoritariamente pela permanência, já discutem a possibilidade de se tornarem independentes do Reino Unido. 

Na Escócia, o resultado impulsiona um novo debate sobre a independência. Em 2014, o país tinha decidido permanecer no Reino Unido. A chefe do governo regional escocês, Nicola Sturgeon, anunciou que deseja realizar um segundo plebiscito. "Como as coisas estão, a Escócia enfrenta a perspectiva de ser tirada da UE contra a sua vontade. Eu acho que isso é democraticamente inaceitável", disse.

Na Irlanda do Norte, lideranças republicanas, favoráveis a uma reunificação com a Irlanda também cogitaram a possibilidade de um plebiscito sobre independência.

 Quais são os impactos para a economia britânica?
Assim como os outros países do bloco, o Reino Unido também faz contribuições financeiras à União Europeia. A quantia total arrecadada entre todos os países-membros é repartida de forma equitativa.

m dos argumentos dos britânicos a favor da saída do bloco é de que o Reino Unido mais contribui com a UE do que recebe recursos. Isso porque os fundos pagos pelo Reino Unido para o orçamento europeu contribuem para financiar programas e projetos em todos os países da UE. O Reino Unido também tem projetos financiados por fundos estruturais e de investimento do bloco.

No entanto, a soma da contribuição britânica com a UE é maior do que os gastos do bloco com o Reino Unido. Segundo dados da própria União Europeia, em 2014 o Reino Unido contribuiu com € 11,3 bilhões à UE, o que corresponde a 0,52% de seu rendimento nacional bruto. Em contrapartida, as despesas do bloco com o país foram de € 6,9 bilhões, ou 0,32% do rendimento bruto.

O professor Otto Nogami, do MBA do Insper, aponta os prejuízos internos sofridos pelo Reino Unido graças a esse “desequilíbrio monetário”, com mais saída que entrada de dinheiro no país. “Isso acaba criando uma pressão inflacionária maior, domesticamente falando”, diz.
Mas Paulo Figueiredo, diretor de operações da FN Capital, aponta que os impactos econômicos para o Reino Unido vão além dessa diferença entre contribuição para a UE e investimentos recebidos. Segundo o especialista, a receita britânica deve cair sem a livre circulação de mercadorias e pessoas entre os países do bloco.
“O Reino Unido contribui mais do que se recebe, mas se isolando no bloco essa conta talvez não vá fechar. Será muito mais difícil se ter uma receita sem o livre trânsito de mercadorias e pessoas. Esse ganho que o Reino Unido tinha com a União Europeia vai cair muito.”

O professor do curso de Relações Internacionais da FAAP Marcus Vinicius de Freitas lembra, no entanto, que o desejo de reorganização da economia pode ser justamente o fator que motiva muitos britânicos a votarem pela saída do bloco. “Existem regras da União Europeia com relação ao sistema financeiro, bancário, administração das finanças públicas. O que os britânicos questionam é que o projeto da UE não é o que eles ambicionam”, diz o especialista.

Qual é o impacto para o comércio exterior britânico e europeu?
A participação na União Europeia permite que os países comprem e vendam produtos e serviços entre si sem a aplicação de taxas e impostos dentro da área comum. O Reino Unido então passará a ter taxas diferentes no comércio exterior com os países europeus em relação às praticadas agora, podendo inclusive trocar de parceiros.

"Na UE, o que se formou foi uma união aduaneira, além de ser uma área de livre comércio e também de união tarifária em termos de comércio internacional", explica Otto Nogami.
Paulo Figueiredo afirma que a saída do bloco pode prejudicar o comércio britânico, "pois ele deixa de contar com a livre circulação do bloco.
Já Nogami aponta que pode haver benefícios. Segundo o especialista, a entrada na UE "fez com que a Inglaterra, que era importadora de carne da Austrália, por exemplo, fosse obrigada a renunciar e passar a importar do continente. Isso são os acordos comerciais, se permite o livre comércio entre os integrantes em detrimento de outros países”, explica Nogami.
"Nesse sentido, com a saída, a Inglaterra pode ter condições comerciais melhores do que com seus parceiros do continente europeu. Já para a União Europeia, acaba representando ônus", diz o professor.

Qual será o impacto nas importações e exportações de outros países, incluindo o Brasil?

As negociações com países fora do bloco se tornam mais livres, como pontua Marcus Vinicius de Freitas.
Já Paulo Figueiredo aponta que "o Brasil não vai se beneficiar tanto". "A facilidade é um pouco maior, mas o Reino Unido não é um grande parceiro comercial do Brasil, não tem tanta influência."
O professor Otto Nogami afirma que uma eventual saída do Reino Unido do bloco significa a extinção de uma das bases do tripé no qual está apoiada a União Europeia.


"O Brasil se beneficiaria eventualmente, porque agora poderia exportar para os britânicos produtos primários que sofrem algum tipo de impedimento na entrada na União Europeia. A negociação passa a ser bilateral simples, com um único país", diz Otto Nogami.
Em maio de 2016, o Brasil exportou US$ 256 milhões em produtos para o Reino Unido, o que equivale a 1,4% do total de exportações brasileiras no mês, segundo dados do Mistério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.
Segundo a União Europeia, o Reino Unido exporta principalmente para os EUA, a Alemanha e os Países Baixos. Por sua vez, as suas importações vêm sobretudo da Alemanha, da China e dos EUA.
 Quais são os impactos econômicos para o bloco?
“Toda a estrutura da UE está baseada na Alemanha, França e Reino Unido. Na medida em que se tira um deles, a estrutura fica capenga. São as três economias mais fortes e representativas, e tirar uma delas pode desestabilizar a economia da União Europeia", diz.
"Todo o peso acaba recaindo sobre a Alemanha, porque hoje a França está totalmente desestabilizada. O que não se sabe é até que ponto a Alemanha teria condições de carregar todo o continente nas costas, economicamente falando."

 Quais impactos para outros países, como o Brasil, se a União Europeia perder força?
Paulo Figueiredo aponta que a principal incerteza após a decisão britânica é com relação ao posicionamento de outros países europeus.

“A grande questão é a incerteza que essa saída vai gerar e a brecha que abre. A gente já teve discursos na Holanda e na França de que também deve ter uma votação para permanecer ou não. E isso pode enfraquecer muito o bloco. Com possíveis saídas de outros países, talvez se tenha um movimento igual na Alemanha. Tudo isso traria um problema econômico, porque o bloco deixaria de existir.”
“Todas as alianças comerciais que os países da União Europeia têm com o resto do mundo teriam que ser refeitas. Isso traria uma complicação muito grande", completa o especialista. "Se a gente começa a ver que o bloco perde força, aí sim vai trazer um impacto para o Brasil e outros países."
Em 2015, o Brasil exportou US$ 33,9 bilhões em produtos para países da União Europeia, o que significa 17,7% do total de exportações do país no ano, segundo dados do MDIC.
G1